Por favor vire o ecrâ na vertical para visualizar o website
Max: 18ºC
Min: 7ºC
Max: 18ºC
Min: 6ºC
Max: 22ºC
Min: 12ºC
Foto SP
1. Opinião Própria, ou seja, os quarenta e cinco textos publicados em "Soberania do Povo", por Silva Pinto, são precedidos de uma Nota de Abertura da autoria de Maria Antónia Pinto em que nos diz que o objectivo da publicação deste livro é "dar a conhecer aos seus leitores as motivações profundas da sua actividade política, social e profissional, as suas convicções e os valores que defendeu e que tentou transmitir de forma pedagógica".
Na Introdução à prosa de Silva Pinto, o seu querido amigo e companheiro das lutas académicas da Universidade de Coimbra, Manuel Strecht Monteiro, traça um retrato onde afectividade e objectividade se tangem e de onde ressuma um Silva Pinto a corpo inteiro definido como "um Homem que pagou o preço de preferir "a honra às honrarias"".
A prosa do autor de Opinião Própria estende-se por mais de duzentas páginas e ao lê-las desprenderam-se-me da memória dois versos do poeta João Cabral de Melo Neto: "Escrever é estar no extremo / de si mesmo". Tal como o poeta brasileiro, Silva Pinto pretende contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e harmoniosa onde a dignidade da pessoa humana seja salvaguardada acima de todos os valores. Estamos perante um vero humanista que de algum modo se assume como herdeiro dos renascentistas e aqui e ali de Montaigne e dos seus Ensaios.
2. Olhando de perto Opinião Própria é fácil encontrar um conjunto de temas e matérias que suscitaram a escrita de Silva Pinto a qual nos permite ver claramente, num horizonte temporal de vinte anos, o perfil singular de um cidadão profundamente atento ao funcionamento da enferrujada máquina do mundo, de um português atento ao evoluir histórico-social de sua pátria, de um aguedense apaixonado pelas coisas da sua terra, de um amigo para quem a amizade era um posto como dizia o meu velho Baptista-Bastos.
Gostaria de começar por destacar, em virtude da sua pertinência, os dois primeiros artigos de Opinião Própria. No primeiro, Silva Pinto condena, de uma forma ousada, a demagogia cavaquista e o recrudescer de um país orientado para proporcionar grandes lucros às sociedades financeiras e aos especuladores de diversas matizes numa pungente contradição com o Portugal sonhado pelo autor após a Revolução de Abril. No segundo, Silva Pinto dá a ver aos seus leitores os perigosos avanços da extrema-direita na Europa, personificados em Le Pen, alicerçados na xenofobia, no racismo, num egoísmo cego anunciadores de nacionalismos não muito distantes da ideologia nazi nem do pensamento de um antigo imperador chinês que fechou o seu país por detrás da Grande Muralha que mandou construir. Menos de vinte anos depois da publicação deste artigo, a realidade actual mostra como eram legítimas as preocupações do atento articulista.
3. Passo agora a dividir em diversos conjuntos os artigos que mais me cativaram, como se cada conjunto fosse uma secção do livro. A primeira denominá-la-ei "temas de Águeda".
À segunda darei o nome de "temas políticos". A terceira secção designá-la-ei "um amigo fala de amigos", em que incluo textos votados a Manuel Alegre, ao romancista de "Alma" e ao candidato a Presidente da República, e os que evocam as figuras de António Correia da Silva, antigo professor da Escola Secundária Marques de Castilho, de João António Neves dos Santos que foi comandante dos Bombeiros Voluntários de Águeda, da Maria Águeda Galhano Davim, antiga funcionária da Escola Marques de Castilho. Acrescentaria ainda um texto em que afectuosamente dá notícia da edição de um CD, intitulado "Amou em Adjectivo", contendo poemas de minha autoria musicados por Vitorino, Dany Silva e Pepe Ordaz, músico cubano, em que falou mais do amigo do que do disco. Finalmente, uma secção a que daria o título de "episódios da História de Portugal".
4. Detenhamo-nos, ainda que brevemente, na secção "temas de Águeda" em que a reflexão de Silva Pinto se estende por questões tão diversas como a relevância da acção dos Bombeiros Voluntários de Águeda, a problemática dos incêndios florestais, a extinção do Instituto Superior Militar, a localização da futura Escola Superior de Tecnologia e Gestão, o hospital de Águeda e o SNS, o Cancioneiro Infantil, a exclusão social na habitação em Águeda e os problemas graves causados pelo funcionamento das Minas das Talhadas que levaram a que um punhado de aguedenses, republicanos e monárquicos, as assaltassem em 28 Junho de 1924, data que Silva Pinto propõe para feriado municipal.
De todos estes artigos ressalta o apurado sentido crítico do autor, a sua independência de espírito, a sua capacidade reivindicativa e propositiva e um evidente amor à sua terra e à sua história.
No que concerne aos "temas políticos", Opinião Própria oferece-nos um conjunto de artigos de inegável interesse, mesmo para os dias de hoje. Destacar a reflexão sobre a democracia e a sua perda de dinâmica com o definhar da acção participativa dos cidadãos e uma burocratização que não pára de crescer. A denúncia, em artigo de 1992, de um clima político de arrogância, de compadrio e corrupção que, todavia, não impede Silva Pinto de formular a sua esperança num futuro melhor, a tematização de matérias como a destruição da agricultura nacional, o desemprego, a situação da juventude que se depara com o futuro sombrio, a regionalização. A que acrescento uma oportuna dilucidação dos conceitos de caridade e de justiça social em que opta pelo segundo. Por fim, não podemos deixar de relevar o seu olhar atento sobre a educação em que ressalta a importância da educação pré-escolar cuja expansão, diria eu, é uma das grandes conquistas de Abril, e a necessidade de se incrementar uma educação de qualidade que deve ser vista como um investimento, o mais produtivo, na opinião de Silva Pinto, e não como uma despesa.
A última secção, episódios da História de Portugal, é constituída por cinco artigos, em que o autor declina uma visão de historiador que, conforme escreve, seria abusivo da sua parte. É justo sublinhar que algumas dessas abordagens se prendem com o concelho de Águeda, mais notoriamente o artigo em que Silva Pinto escreve sobre a prisão e a libertação de monárquicos aguedenses após a implantação da República, o que se refere à passagem da raínha D. Amélia por Águeda, e last but not least, o texto sobre D. António, Prior do Crato, e o seu refúgio em terras do Préstimo, num tempo em que tinha a cabeça a prémio. Confesso, a terminar, que é para mim significativo o facto de Silva Pinto se ter referido a esse português intemerato, que arriscou a própria vida em defesa da independência de Portugal, esse homem que foi rei no coração de muitos portugueses. Joaquim Jorge da Silva Pinto, médico, dirigente associativo, autarca, político, consagrou a sua vida à dignificação de Águeda e é, no coração de muitos aguedenses, um símbolo da sua terra que a memória colectiva não deve apagar.
- PAULO SUCENA