Violência aumenta na Escola... “quando a gente diz não, o ‘não’ não existe”
“A Escola está mais violenta, está mais crispada. E isso naturalmente é um problema de saúde mental”, referiu Francisco Vitorino, a SP.
Aborda-se amiúde o estado de depressão em que mergulha a juventude portuguesa. À margem da entrevista que Francisco Vitorino concedeu a SP (ver edição de 24 de dezembro), a questão foi colocada ao diretor do maior agrupamento escolar do concelho de Águeda: o Agrupamento de Escolas de Águeda Sul, que tem como escola sede a Secundária Marques de Castilho e que se estende pelas freguesias situadas a sul da cidade, até Aguada de Cima e Fermentelos.
“Sentimos muito, talvez mais que as questões da imigração, mais dos que as questões dos resultados escolares”, confirmou Francisco Vitorino, à questão de SP sobre se a situação é sentida no Agrupamento. “Há questões paralelas à sala de aula - e até às vezes na retaguarda da sala de aula - que condicionam imenso o desempenho dos alunos. Para além das questões da desvalorização da escola, como falei na entrevista, e do modo como as famílias hoje se organizam em educar crianças em idade escolar, o problema da saúde mental está presente”.
Ressalvando não ser um “especialista sobre o assunto”, Francisco Vitorino assumiu-se como “um cidadão como todos os outros” mas que se confronta diariamente com o problema. “Tenho memória e isto nos últimos 10 anos tem vindo a agravar-se. E não é da pandemia” - referiu, peremptoriamente.
MIÚDOS QUE CRESCEM SEM FREIO E BASEADOS NO TER
Apontou razões: “Tem a ver com o modo como as sociedades hoje vivem. Com a aceleração com que todos vivemos, com as prioridades que as pessoas têm hoje, com o trabalharem demasiadas horas e passarem pouco tempo com os miúdos, com os miúdos crescerem muitas vezes mais com os amigos do que propriamente com os pais e com as suas famílias…”
Sem freio, portanto. “Sem freio… Com a responsabilização frequente dos seus atos, com a superproteção - que é outra questão também que se vive muitas vezes… As pessoas tendem a superproteger com base no ter e não no ser. Isto é um aspeto fundamental. Às vezes, dá-me a ideia de que as pessoas procuram compensar a ausência com a omnipresença através do telemóvel de marca, da roupa de marca… lá está, com o ter. Às vezes, era preferível dar menos coisas materiais e dar mais da relação humana”.
DROGAS? A VIOLÊNCIA!… PORQUE O “NÃO” NÃO É ACEITE
Relativamente às evidências, Francisco Vitorino falou de “miúdos deprimidos, agarrados essencialmente ao telemóvel e ao digital, a experimentar coisas que, enfim, se não forem controladas depois dão noutras coisas piores…”. Drogas? “Drogas!… Por exemplo, a questão da violência…”
Há aumento no consumo de drogas? - questionámos. “Eu não tenho muito essa noção. Pelo menos dentro da escola não a tenho. Não digo isto porque esteja a burilar a questão, quando isso é um problema nós vamos ouvindo. Aqui e ali, porque alguém é encontrado, porque alguém vê, porque alguém diz… Essa questão não tem aumentado. Existe, e nós sabemos que existe, mas pela perceção que tenho - posso estar enganado - o que tem aumentado é a violência. Os miúdos estão muito mais violentos uns com os outros. Têm muito menos paciência, muito menos tolerância à contrariedade, e esse é o grande problema. Por exemplo, quando a gente diz não, o ‘não’ não existe. Qualquer desavença que haja entre eles, partem logo para a violência. A escola está mais violenta, está mais crispada. E isso naturalmente é um problema de saúde mental, sem nenhuma dúvida.”
PAIS DESAUTORIZAM A ESCOLA E NÃO ADEREM À EDUCAÇÃO PARENTAL
Quem não está habituado a ser contrariado na família… e lá voltamos de novo à família, apresenta essa característica. Como se pode ultrapassar este cenário? “A Escola sozinha não vai conseguir resolver isto, ainda para mais se não tiver apoio de retaguarda por parte dos pais. Se de cada vez que um miúdo tem um comportamento desajustado nós chamarmos um pai ou uma mãe, a tendência é desresponsabilizar o miúdo e tentar defender a criança perante a Escola, desautorizando a Escola e o professor, desautorizando o diretor de turma, tentando menosprezar o comportamento em detrimento de outras coisas. A Escola tem muita dificuldade em contrariar isto! Precisava-se de mais educação social, de mais programas de educação parental. Nós temos feitos muitos, as pessoas é que não aderem. Temos tido muita dificuldade em movimentar os pais para estas sessões de educação parental. Acham que já sabem tudo. A sociedade tem que mudar, se não mudar a Escola também não muda”.