“O nosso principal problema tem a ver com a desvalorização da Escola por parte das famílias”
SP - A Escola Marques de Castilho tem recebido um forte investimento para o CTI, que disponibiliza cursos adequados ao atual mercado de trabalho. Há, porém, duas questões que gostaria de lhe colocar: se os alunos estão efetivamente motivados em frequentar esses cursos e se o mercado de trabalho está preparado para os receber.
FV - O investimento resulta de uma candidatura que apresentámos há dois anos, enquadrado no PRR. O investimento ronda 1,7 milhões de euros e são quatro os cursos abrangidos: análise laboratorial, metalomecânica, cozinha pastelaria e restaurante bar e eletricidade e eletrónica. Destes quatro, dois dos mais fortes é a cozinha e pastelaria - fizemos uma cozinha completamente nova, com equipamento que será raro o restaurante de dimensão que a tenha - e a metalomecânica. Neste caso, ao nível do CNC, dos tornos e das fresadoras, portanto de toda a maquinação. Só para a metalomecânica são à volta de 700 mil euros.
MÁ CONSCIÊNCIA SOBRE O ENSINO PROFISSIONAL
SP - Com todo esse investimento, vai haver retorno na procura pelos alunos e na absorção pelo mercado de trabalho?
FV - A questão tem de ser vista numa perspetiva mais global relativamente ao ensino profissional. Infelizmente, o país, e Águeda em particular, continua a ter uma visão do ensino profissional como sendo uma espécie de parente pobre da formação. Uma coisa é aquilo que se diz, outra é depois o que se faz na prática. Toda a gente diz que o país precisa de qualificação profissional intermédia, que as empresas precisam de mão de obra qualificada, que é preciso dignificar o ensino profissional; mas depois os filhos das pessoas… entre aspas, bem pensantes, não procuram o ensino profissional. Felizmente, isso tem vindo a transformar-se, devagarinho, e já temos muitos miúdos que vão para o ensino profissional com convicção. Até porque é possível aceder ao ensino superior via ensino profissional, até de uma forma mais facilitada porque apenas fazem exames nacionais específicos para a sua área, e isso tem atraído. Porém, continua a existir uma má consciência da sociedade relativamente ao ensino profissional, que continua a ser visto como um ensino de segunda relativamente ao prosseguimento de estudos. Mesmo quando se valoriza, e se qualifica o que é uma boa escola, supostamente é aquela cujos alunos têm excelentes resultados nos exames nacionais; ou seja, são aquelas que preparam os alunos para os exames, não aquelas que preparam os alunos para a vida real, para o mercado de trabalho, para enfrentar problemas, para os resolver…
SP - Há uma lógica nacional que devia ser mudada…
FV - Há, com certeza. Algum trabalho tem sido feito nos últimos oito anos. O Governo anterior tomou algumas medidas importantes para valorizar o ensino profissional mas continua a haver na sociedade portuguesa uma má consciência relativamente ao mesmo.
SP - Portanto, reflete-se na adesão dos alunos.
FV - Contribui para que haja algumas dificuldades em áreas carenciadas, como é o caso da hotelaria e restauração e da metalomecânica, ou mesmo das áreas mais técnicas. Há dificuldade em constituir turmas em número suficiente de alunos. Quanto mais alunos tivéssemos mais colocávamos nas empresas.
SP - Verifica-se uma maior atratividade com este investimento ?
FV - É cedo ainda para o saber. Não inaugurámos, em concreto, o CTI; conto fazê-lo em janeiro. Penso que durante esse mês teremos fisicamente a candidatura ao PRR executada. Espero que o Dia Aberto e a divulgação que faremos relativamente às condições de exceção que possuímos sejam fatores de atração.
SP - Confrontamo-nos hoje com uma geração que emigra à procura de melhores salários e condições de trabalho. A área da restauração é um exemplo: apesar de haver muitas escolas de formação, o nível dos trabalhadores é relativamente precário em vários estabelecimentos. Se o mercado de trabalho não foi atrativo…
FV - É um pouco a matriz do crescimento e desenvolvimento económico do nosso país. Se continuarmos a basear a atratividade em salários baixos, evidentemente não conseguiremos reter pessoas. Temos, se calhar, de olhar para o emprego e para a qualificação de uma outra forma. Eu acredito que aquilo que estamos a fazer - e não somos os únicos, o Centro de Formação Profissional também faz um esforço nesse sentido - é um contributo para ir ao encontro daquilo que o tecido empresarial precisa; mas, para isso, é preciso que do outro lado também haja capacidade de absorção e de atração.
SP - Janeiro será o mês de inauguração. O CTI começará em pleno, quando?
FV - Neste momento, há áreas que já estão a funcionar em pleno, designadamente a cozinha e pastelaria. Na metalomecânica e da eletrónica, estamos a receber equipamento até ao final do ano, e um ou outro ainda no início do próximo ano civil.
ESCOLA DESVALORIZADA ENQUANTO PROJETODE VIDA
SP - Sendo o Agrupamento de Águeda Sul o maior do concelho, a escola sede tem mais de um milhar de alunos. Quais têm sido os principais desafios na gestão de um mega agrupamento como este?
FV - O Agrupamento nasceu em 2013, estamos com 11 anos. A principal dificuldade tem a ver com a dispersão, de ser geograficamente disperso e de ser difícil, muitas vezes, chegar a todo o lado em tempo útil. Tentamos desdobrar-nos - quer a equipa mais restrita da direção, quer depois os coordenadores de cada escola -mas a dispersão e a variedade dos níveis de ensino, do pré escolar ao secundário, são desafios. Os problemas hoje são muitos, sobretudo de natureza social. Não tanto de questões que têm a ver com pobreza material - haverá com certeza - mas o nosso principal problema tem a ver com a desvalorização da Escola por parte das famílias. Vivemos hoje no meio de gerações aparentemente mais qualificadas mas continuamos a ter muitos casais, na ordem dos 30 e 40 anos, que valorizam pouco a escola e os professores - a autoridade dos professores…
SP - Esse é o maior desafio?
FV - É! O papel da Escola enquanto projeto de vida daquelas crianças, que agora são crianças e daqui a pouco serão jovens e jovens adultos. Há cada vez menos a valorização da Escola enquanto projeto de vida. Isso é preocupante, não só no ponto de vista da formação académica como também da formação humana e pessoal.
SP - Há muito trabalho a fazer nessa área.
FV - Muito trabalho… e não só da Escola! É de toda a comunidade. Os poderes públicos têm aqui um papel fundamental. Sei que é muito difícil, lidamos com pessoas, mas não basta atirar dinheiro para cima dos problemas, é preciso ir mais fundo.
COMPORTAMENTO PREOCUPA MAIS QUE RESULTADOS ACADÉMICOS
SP - Como se compatibiliza esta relação entre uma escola secundária com todas as escolas que pertencem ao Agrupamento? São realidades completamente diferentes.
FV - São realidades diferentes mas todas elas estão imbuídas dum projeto educativo comum. Portanto, tem uma lógica vertical. Há valores que são comuns a todo o Agrupamento, sobretudo humanos: respeito mútuo, tolerância, respeito pela diferença… A valorização dos resultados académicos, evidentemente, o rigor, a exigência… mas sobretudo o lado da cidadania.
SP - Mas acha que a Marques de Castilho é penalizada relativamente aos resultados académicos pelo facto de estar inserida num mega agrupamento?
FV - Não sei se é penalizada por essa via. Os resultados académicos estão em linha com aquilo que é a realidade nacional. Mas, se a nossa energia e o nosso esforço é ocupado por uma vastidão tão grande, se estou focado num conjunto de outros problemas que não são apenas as questões académicas - sobretudo o comportamento, atitude perante a Escola, gerir sensibilidades de pais que acham que os filhos só têm direitos e não têm deveres, ou que os pais só têm direitos e não têm deveres - é evidente que a minha energia é esgotada com outras coisas. Desse ponto de vista, quanto maior a nau, maior a tormenta. Quanto mais complexa é a organização, mais dificilmente nos conseguimos concentrar num problema só. Agora, eu estou preocupado com os resultados académicos, como o país também está. De facto, temos estar a regredir em alguns indicadores internacionais; estou preocupado com isso mas muito mais preocupado com o que esta geração, que tem agora 16 ou 17 anos, vai fazer daqui a 10 ou 15 anos se continuarmos como estamos: falta de respeito pelos outros, pouca solidariedade pelo próximo, não respeitar as pessoas mais velhas (onde são incluídos naturalmente sso preocupa-me muito mais que os resultados académicos!
RELAÇÃO COMPLEMENTAR ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA
SP - Haveria necessidade de ter outras respostas curriculares de cidadania ou isso só está dependente da família?
FV - Tem de haver outras respostas, a Escola não se pode demitir da sua função de formar a globalidade do indivíduo, em termos académicos mas também as personalidades.
SP - Em concreto, como se pode compatibilizar melhor uma relação entre a Escola e as famílias?
FV - Em primeiro lugar, respeitando a posição de cada um. À família cabe a educação em termos latos, as primeiras aprendizagens, sobretudo as questões básicas e universais do respeito e relação com os outros. Quando não é aprendido na altura certa, a escola tem muito mais dificuldade em conseguir incutir, a partir dos 12 ou 13 anos, valores e princípios. A Escola tem de funcionar em colaboração estrita com a família e a família com a Escola. A nossa missão é complementar. Quando ouço algumas forças políticas trazerem a ideologia para o currículo, como é o caso o modo como se encaram as questões da cidadania - que tem muito pouco de ideológico e tem muito mais de direitos humanos e de formação pessoal e social -, fico pasmado. Os miúdos precisam cada vez mais que se aborde na Escola, uma vez que a família não é capaz de o fazer, ou tem essa dificuldade, alguns temas que são fundamentais hoje, como a igualdade de género, como o respeito pelo género oposto, pelas opções sexuais ou de género de cada um… O que isso tem de ideológico? Isso tem muito de respeito pela pessoa humana e pela dignidade humana!
SP - Esta conversa pode levar-nos à chamada municipalização da educação. Seria mais fácil compatibilizar iniciativas curriculares, enfrentando as dificuldades que enumerou, a partir de uma colaboração chegada entre o Município, a Escola e as famílias?
FV - Devia ser.
SP - Não tem sido?
FV - Tem sido feito algum trabalho mas precisamos de o aprofundar. Para isso, temos de ter capacidade de mobilizar - nós, Escola e Município -, de mobilizar os pais para aquilo que são os temas importantes. Nem sempre somos capazes de mobilizar os pais. Isto não pode ser feito uns contra os outros, tem de ser feito uns com os outros. Há um caminho a fazer de aprofundamento entre o Município e as escolas, evidentemente, e ambos, imbuídos do mesmo espírito, temos de ter a capacidade de dar a volta aos pais e à sociedade.
CÂMARAS DEVEM IR ALÉM DO QUE PRECONIZA A LEI
SP - Que aspetos positivos e negativos se podem aferir da descentralização de competências da Educação nos municípios?
FV - Sempre acreditei na transferência de competências, desde que acompanhado do respetivo envelope financeiro. Os municípios conseguem resolver problemas de uma forma mais eficaz porque estão mais próximos dos problemas e das pessoas. As soluções são mais fáceis de encontrar. Fui um grande defensor dessa ideia mas é preciso que todos estejamos disponíveis para ir um pouco além daquilo que está na lei. Em 2015, quando entrámos no processo em que éramos município-piloto, posso dizer que a coisa estava bem desenhada. Com as dificuldades iniciais, e com a colaboração entre a escola e a autarquia, conseguimos ultrapassar algumas questões, até em termos orçamentais. Havia um espírito de colaboração muito forte e uma perspetiva da Educação muito próxima daquilo que as escolas também tinham, e havia essencialmente uma grande confiança da autarquia naquilo que era o trabalho das escolas e dos diretores das escolas.
SP - Agora não é assim?
FV - Já lá ía… O Governo anterior do PS deixou de apostar neste tipo de descentralização, deixou claramente cair isto, e propôs um outro modelo, de 2021 para cá, que é muito mais limitado do que era o de 2015. Enfim, contra mim falo: o atual Governo herdou um projeto muito mais limitado do ponto de vista da colaboração entre as escolas e a autarquia que o desenhado inicialmente. Fica muito pela manutenção dos edifícios, muito pela parte estrutural, mas há menos espaço à colaboração e ao esforço mútuo. Ora, se a lei prevê menos, fica muito dependente da vontade que as câmaras têm ou não de ir um bocadinho além daquilo que a lei diz.
SP - Reflete-se na atual relação entre a Câmara e as escolas em Águeda?
FV - Reflete. É muito mais instrumental, fica muito mais presa às questões do funcionamento, aos edifícios e às reparações. A Câmara só por opção estratégica, que deve ter apesar de tudo, pode ir além e investir um pouco mais. Não posso dizer que esta câmara não o tem feito, tem-no feito ao nível dos transportes, do pessoal não docente - claramente, temos ido além daquilo que a lei preconiza - mas há outras áreas onde se deve apostar.
SP - No início do processo falava-se na inclusão da identidade local nos currículos. É uma aposta falhada?
FV - É uma aposta falhada, sim! Há alguma liberdade para ir mais além do currículo nacional - nós temos algumas áreas de criação própria - mas não é nada que seja estrutural ou que traga alguma mais valia diferenciadora.
20 POR CENTRO DE ALUNOS NASCERAM FORA DO PAÍS, DE 32 NACIONALIDADES DIFERENTES
“Traz-nos desafios para os quais não estávamos preparados”
SP - Não sei quantas nacionalidades terá o Agrupamento entre os alunos mas a imigração veio certamente criar desafios novos.
FV - No nosso Agrupamento, cerca de 20 por cento dos 2.300 alunos nasceram fora do país. São à volta de 32 nacionalidades mas 70 por cento desses 20 por cento têm origem no Brasil. Traz-nos desafios para os quais não estávamos preparados. Desde logo, o desafio da língua, que é o principal - mesmo os alunos oriundos do Brasil. Não quer dizer que não se entenda a língua, tem a ver com as questões culturais associadas. De aclimatação aos nossos esquemas de funcionamento, à nossa organização, ao grau de rigor que a Escola hoje imprime. É preciso não esquecer que muitos miúdos que vieram do Brasil, que passaram pela pandemia, não foram à escola ou foram de forma muito ligeira. Há muitas exceções, evidentemente, mas chegam aqui com dificuldades em acompanhar…
SP - Essas dificuldades são curriculares ou mais de relacionamento?
FV - Não temos grandes problemas de integração. De uma forma geral, são bem acolhidos e sentem-se bem na escola. Tem sobretudo a ver com a dificuldade em acompanhar o currículo e em se mover dentro dos esquemas de rigor exigência que nós imprimimos. Por exemplo, os alunos oriundos do Brasil não aprendem Inglês lá, isso representa uma dificuldade. Nota-se evolução, mas depende também da idade com que vêm: os meninos que entram no pré escolar ou no 1.º ciclo claro que daqui a meia dúzia de anos estão integrados, os mais velhitos têm mais dificuldade.
SP - Há algum programa específico?
FV - Há dois anos, quando houve este boom maior de imigração, criámos uma equipa interna, no âmbito do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família, que tem representantes nas três escolas maiores do Agrupamento - na escola sede, Marques de Castilho, e nas EB 2,3 de Aguada de Cima e de Fermentelos -, para acolher a criança e a família quando vem logo pela primeira vez. Entretanto, a meio do ano letivo passado, surgiu uma candidatura ao Fundo para as Migrações e Asilo. Fomos o único Agrupamento a nível do país que viu a candidatura aprovada, as outras foram juntas de freguesia , IPSS, municípios… Foi-nos atribuída uma verba de 200 mil euros que nos permite contratar técnicos e fazer um trabalho mais fundo a nível de integração. Já contratámos um técnico de animação sócio-cultural, outro de serviço social, e vamos contratar mais uma psicóloga. A ideia é reforçar aquela equipa de acolhimento.
SP - Normalmente, fala-se desta imigração com uma carga negativa. Mas tem trazido coisas positivas?
FV - É uma oportunidade para nós. Só conseguiremos ver coisas positivas se tivermos capacidade para acolher corretamente e convenientemente essas pessoas. Não as podemos marginalizar e a Escola tem um papel fundamental aqui. Tem que se investir, não só o Estado central. As autarquias têm aqui um papel importante, não é só criar gabinetes de atendimento e de acolhimento. É preciso desenvolver programas de integração destas pessoas, tentar integrá-las e envolvê-las na comunidade, com as associações locais. Não haverá melhor forma de nos conduzir a experiências negativas que o abandono desta gente, a marginalização e o desrespeito pelos seus direitos. Claro que as pessoas também têm de se integrar, têm de aceitar a nossa cultura e o nosso modo de vida - respeitando, também nós, o deles. Temos miúdos de várias religiões, até no refeitório se vê.
SP - Há, também, interesse da sua parte em superar dificuldades?
FV - Haverá uns que sim, outros que não. Às vezes as dificuldades levam os miúdos a desistir. O Inglês, além da Matemática e da Físico-Química dentro do currículo nacional, são as áreas em que as suas dificuldades são maiores. A nível da escolaridade básica, foi onde tiveram uma formação mais difícil nas suas terras de origem. Conseguiremos safar uns, não conseguiremos safar outros…
AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE ÁGUEDA SUL FOI CONSTITUÍDO HÁ 11 ANOS
“Os mega-agrupamentos, neste momento, não respondem aos problemas principais da escola”
Francisco Vitorino assume dificuldade na contratação de professores, para além de avaliar a existência de mega-agrupamentos como o de Águeda Sul.
SP - Ficou retida uma questão: após 11 anos, revê-se nos mega-agrupamentos?
FV - Não. Atendendo à imensidão de problemas de natureza social que a escola tem, que se refletem todos os dias no funcionamento, ao estado das famílias, à desvalorização do papel das famílias enquanto unidade básica e primeira, agravada com o problema da imigração (tem sido uma dificuldade para as escolas lidarem com toda esta diversidade), precisávamos neste momento de unidades orgânicas mais pequenas, que respondessem de forma mais próxima aos problemas. Os mega-agrupamentos, neste momento, não respondem aos problemas principais da escola.
SP - Um dos problemas que se tem vindo a falar é o da contratação dos professores. O Agrupamento tem todos os horários preenchidos ou tem tido dificuldade em contratar?
FV - Este ano, pela primeira vez, tivemos dificuldade em contratar professores, sobretudo em áreas como a informática. Para as primeiras colocações, a coisa até funcionou. Quando foi necessário substituir gente, por doença e outras razões, digamos numa segunda leva, tivemos dificuldade.
NÃO HÁ ALUNOS SEM AULAS
SP - Neste momento, o quadro de professores está completo?
FV - Sim. Nós não temos alunos sem aulas neste momento. Algumas medidas criadas por este Governo tiveram algum efeito positivo, designadamente a possibilidade de distribuirmos em regime extraordinário, em horas extraordinárias, por outros professores, às dificuldades iniciais que tivemos.
SP - Mas esse problema continua presente.
FV - Está presente e vai agravar-se! Ao longo do ano letivo, ele vai-se manifestando cada vez mais. Aposentações, problemas de doença, limitações no exercício da profissão…
SP - É uma profissão desvalorizada?
FV - É. E uma profissão de desgaste enorme e pouco atratival. Temo que a falta de professores, obrigando muitas vezes a recorrer a pessoas que não têm a formação pedagógica adequada por não termos possibilidade de escolha, possa colocar em determinadas funções quem não tem a habilidade necessária ou o talento para lidar com jovens. Isto nota-se no pessoal docente e no pessoal não docente. A Câmara, para o pessoal não docente, já tem alguma dificuldade em contratar pessoas com o perfil adequado. É preciso tornar a profissão mais atrativa.
SOBRELOTAÇÃO E EDUCAÇÃO FÍSICA FORA DA ESCOLA
'MARQUES' TEM MAIS 11 TURMAS QUE CAPACIDADE APÓS OBRAS DA PARQUE ESCOLAR
“A Marques de Castilho está a viver uma situação difícil que tem a ver com a sobrelotação”, referiu Francisco Vitorino, durante a entrevista a SP, no seu gabinete.
Voltar a colocar o curso do rio dentro das suas margens - expressão do próprio - não será fácil. “Na requalificação, a escola foi dimensionada para 40 e poucas turmas e tem agora 55. Precisávamos de uma cura de emagrecimento em turmas que nos permitisse voltar a ocupar os espaços adequados”.
Francisco Vitorino respondia a uma questão sobre a construção que decorre do polidesportivo para salientar que, por si só, este investimento não evita que os alunos da escola secundária se desloquem no futuro para a piscina ou para o pavilhão do GICA, mercê de um protocolo com o Município de Águeda, para as aulas de Educação Física.
“Se continuarmos como estamos, o polidesportivo só por si não vai resolver completamente. Vamos sempre precisar, enquanto se mantiver este nível de frequência, de apoio da Câmara para uma turma ou outra ir para a piscina ou ao GICA”, afirmou.
Este ano letivo, com mais 11 a 12 turmas que a capacidade da escola, “precisámos de reforçar as idas para o GICA e para a piscina” - fez notar, para explicar depois: “Não tem a ver apenas com os espaços desportivos, tem a ver sobretudo com os balneários. Temos quatro balneários para feminino e quatro para masculino. À partida deveriam ser quatro turmas em simultâneo a ter Educação Física mas às vezes são seis ou sete turmas. Portanto, o grande problema, mais do que ter o espaço para fazer atividade física, são as condições para se equipar e tomar banho. Se continuarmos com este ritmo de aumento de alunos, temos de continuar a precisar do apoio da Câmara Municipal”.
O FUTURO DESTA GERAÇÃO PASSA POR ÁGUEDA?
“Não temos políticas públicas, nacionais e locais, capazes de reter talentos e pessoas qualificadas”
SP - Há uma década, disse numa entrevista que 70% dos alunos de Águeda manifestavam vontade de sair do concelho para estudar ou trabalhar. Essa vontade mantém-se atualmente?
FV - Não o consigo dizer com propriedade como o disse nessa altura, porque resultou de um estudo que se fez a nível local e que nos deu esses resultados. Um estudo isento e sério. Não se voltou a fazer.
SP - Quem fez o estudo?
FV - Foi o Centro da Juventude no âmbito dos projetos europeus que tinha. Acho que se devia voltar a fazer.
SP - Qual é a sua perceção?
FV - A minha perceção é que sim, que os jovens continuam a querer sair.
SP - Por quê?
FV - As razões porventura não serão muito diferentes das que se passam a nível nacional. Continuamos a ter milhares de jovens qualificados a saírem do nosso país. Eventualmente, porque nós não temos políticas públicas, quer nacionais quer locais, capazes de reter esses talentos e essas pessoas qualificadas. Desde logo pela média dos salários, depois pelos problemas da habitação, que são gravíssimos. Não vejo que haja a celeridade nem a estratégia de fundo para inverter, e isso também se passa em Águeda. O acesso à informação, o modo como os jovens se movimentam - as barreiras fronteiriças não são hoje um problema para ninguém -, as redes sociais com mensagens apelativas… tudo isso contribui. É muito difícil inverter a situação, é necessário criar condições básicas, não apenas do tecido empresarial mas também de quem tem responsabilidades políticas.
SP - Como?
FV - Primeiro, estudar o problema e tentar perceber porque é que as pessoas saem; e depois tentar atacá-lo com medidas concretas. Não são pensos rápidos, são coisas mais profundas.