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Foto SP
Alta Vila, faz parte da minha infância, do meu imaginário e dos meus sonhos, há quase 60 anos.
Quando era criança, várias vezes fui visitar a quinta da Alta Vila. Sentia medo e ao mesmo tempo arrepios de imponência, era um espaço proibido, misterioso, maravilhoso e mágico, que gostava de explorar e o descobrir. Tinha medo de estragar seja o que fosse, até de cortar uma flor. Não era o “Parque da Alta Vila”, era somente a “Alta Vila”.
Tinha cerca de oito, nove anos quando a fui visitar a primeira vez, acompanhado de uns quatro amigos, da escola masculina, do ensino primário do Adro. A Dona Maria de Melo Corga ou a filha, Dona Ermelinda, a gorda, como lhe chamavam, perguntavam quem éramos e o que queríamos. Dizíamos que íamos dar uma volta para visitar e ver as coisas bonitas da Alta Vila. Avisava sempre, em tom de ralhete, para não estragarmos nada. Nem sempre autorizavam a visita a toda a gente, algumas vezes dependia da disposição do momento. Aqueles que se portavam bem e mais conhecidos, tinham quase sempre entrada.
Lembro-me da impressionante “Cabana das Pretas” (muito perto da entrada do portão principal), feita de bamboo e colmo, estilo africano, cujo chão estava pejado com imensas e verdadeiras caveiras e ossos humanos (fémures, tíbias...) que pisava com medo e repulsa, para além de arcos de flechas e lanças. Um misto de misterioso, macabro e mágico. A quinta era única, nunca tinha visto nada assim. Tudo era exótico, as cabeças de veados embalsamadas, as lanças, a casa revestida a pedras (pavilhão de caça), os imensos carreiros ao longo de toda a quinta, a cozinha, com túneis de comunicação ao pavilhão de caça e à casa principal de habitação, os tanques cheios de água a jorrar de grandes torneiras, na entrada lateral, junto à porta com uma sineta. ao lado da cozinha. Uma capela, revestida de pedras num espaço único pontilhado e pejado de pedras, árvores enormes e altíssimas, um lago com várias pontes revestidas de pedras a circundarem a quinta, onde existia um barco. Um campo de ténis, em terra batida, com um velho rolo de terraplanagem e duas fileiras de bancos (a poente), para assistirem ao jogo. Recordo-me de uma grande gaiola com faisões e um grande pombal, assim como de um enorme coreto rústico de pedra, com arame a suportar a cobertura de trepadeiras.
Recordo-me quando abriu ao público e dos vigilantes, que tomavam conta do espaço, com entrada pelo portão principal. Isto foi há cerca de 32 anos atrás. Muitos espaços e imóveis encontravam-se degradados, a necessitar de serem arranjados, nomeadamente a estufa, o pombal e a casa de habitação, em frente à entrada lateral, todavia a “cabana das pretas” tinha irremediavelmente desaparecido. (Tenho cerca de trinta diapositivos que fotografei na altura).
Depois das últimas obras executadas pela Câmara Municipal de Águeda, que não foram do agrado de muita gente, onde me incluo, pelo facto de ter sido descaracterizado esse espaço único de Águeda. Sem possivelmente o desejarem, mutilaram a magia da Alta Vila, a indignação que senti foi imensa e as obras que foram feitas revelam falta de sensibilidade, conhecimento do espaço de outrora e qual o significado para os naturais de Águeda, principalmente os mais velhos, do valor simbólico e mágico da “Alta Vila”.
Preparam-se para a descaracterizar novamente. Sinto uma imensa tristeza que se traduz numa profunda revolta. É um sacrilégio a sua destruição e descaraterização. Penso, que na disposição testamentária da sua cota disponível, Dona Maria de Melo Corga, não permitiu nem a alienação nem alterações significativas no conjunto da quinta, isto é, do seu legado, que foi a quinta da ALTA VILA. Gostava de ter conhecimento desse testamento, ao qual deveria ser dado a devida publicidade.
Sei que o temporal de janeiro de 2013, destruiu muito esta belíssima quinta e que deveriam ter sido feitos de imediato os devidos arranjos, mas a mão do homem é a força mais destruidora de todas...
Imagens e memórias bem vivas de uma criança, destruídas pela ignorância, incúria e mania das modernices e nada mais digo para não ser mal compreendido e acusado de ofensivo. Não é o gabinete de um arquiteto famoso, por muito competente e saber, que compreende e sente o significado deste espaço único, de importância capital para Águeda. Alguma vez ouviram as pessoas que lá viveram, melhor conheceram, trabalharam e amam a Alta Vila?
Não à destruição, betonagem, calcetamento da Alta Vila e tudo o mais que seja desvirtuar este único e mágico espaço arquitetónico, que ainda brilha em Águeda.
Temos de respeitar e merecer o legado de Dona Maria de Melo Corga.
Respeitem a ALTA VILA. Respeitem os Aguedenses.
l JORGE PEREIRA SIMÕES
(Diretor do Departamento de História e Património da ANATA).
Nota: É importante mencionar o estilo “Rústico Vitoriano”, do pavilhão de caça, que servia especialmente para lazer, festas e cerimonial do chá; como também a magnifica “mansão” abaixo da Alta Vila, da família Aguiar. Joaquim Pinheiro de Aguiar, foi herdeiro de Eduardo Geraldes Cid Caldeira, primeiro proprietário e obreiro da Alta Vila. Essa casa sim, precisa de ser recuperada com urgência. É lamentável não serem tomadas as devidas medidas preventivas. Nunca mais se vai construir em Águeda, nem no país uma casa com estas caraterísticas e beleza arquitetónica.
Todo este conjunto arquitetónico e Patrimonial, de estilo Vitoriano são únicos no concelho de Águeda e quiçá no país, que sucessivamente tem sido ignorado e mutilado sem piedade.