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FOTO SP
Estava uma boa tarde; uma tarde bem solarenga. Daquelas tardes em que apetece estar de papo ao ar, sem fazer nada. Ou quase nada. E ainda para mais era domingo, um dia de descanso para todos. Ou quase todos.
Para o senhor João, por exemplo, não era dia de descanso. Dizia ele que nunca tinha descanso. E é verdade. Ele e a dona Lurdes, a sua mulher, nunca estão descansados. Na sua idade já avançada, vivem atarefados, sempre com alguma coisa para fazer; sempre com alguma coisa para cuidar onde quer que seja.
Não têm dias nem horas de descanso. Ele é o cuidar da casa; ou o amanhar das terras; ou o tratar dos animais. Ufa! Que trabalheira para aquele casal sempre juntinho. E sempre com um sorriso bem aberto nos lábios.
A vizinha, a dona Margarida, uma senhora muito mais nova, até tem pena deles. Não compreende aquela azáfama diária. Não percebe porque é que duas pessoas já tão idosas precisam de trabalhar tanto.
E o filho único da dona Margarida, o Pedro – um licenciado em Comunicação e Marketing, desempregado há quase dois anos –, também não compreende. Na verdade, este rapaz nem se interessa muito por isso – muito menos hoje, domingo, um dia de sol, a convidar finalmente ao desconfinamento anunciado.
Quando um destes dias se falou nisso lá em casa, o Pedro disse aos pais que se calhar até lhes fazia bem. Assim estavam ativos, não enferrujavam. E que talvez fosse por isso que parecia terem tanta saúde.
E até comparou a genica daquele simpático casal com a forma física dele próprio: se não fosse a sua ida ao ginásio todos os dias não sabia como se aguentava. Além disso – acabou por dizer – assim os velhotes estavam livres do stress… Aquele maldito stress que dava cabo dele todos os dias por não encontrar trabalho.
– Se os nossos vizinhos velhotes soubessem o que é isso… o stress… O que é hoje a vida que nós levamos… - Disse o Pedro à mesa, ao jantar, no meio duma colherada apressada antes de sair para ir ter com os amigos.
Ainda há umas semanas atrás tinha ido a uma entrevista, numa empresa imobiliária. Tudo parecia estar a correr bem, quando chegou o momento de falar-se no ordenado: - Doutor Pedro, propomos, para começar, um ordenado de 750,00 euros. - O que acha? Perguntou o empregador.
- Está a brincar comigo, não? Então eu, um licenciado, que já trabalhei numa grande multinacional, vou trabalhar como vendedor a ganhar pouco mais do que estou a ganhar sem fazer nada? – Ainda para mais, este emprego obriga-me a trabalhar todos os dias, e nem sequer é um ‘part-time’. Assim mais vale continuar a receber do desemprego. Eu cá me arranjo. Tenha lá paciência. Assim não!
Lá em casa, o Pedro vai desabafando a correr com os pais – sobretudo com a mãe, que é quem mais o ouve – a sua vida torta. Uma vida que não há maneira de se endireitar porque não encontra um emprego ajustado às suas qualificações. Diz que isto é tudo assim neste país; uma desgraça; uma exploração para os jovens como ele que querem trabalhar naquilo que gostam e para aquilo que foram formados. E que ninguém faz nada. E que por isso vale mais continuar com o seu subsídio mensal. É pouco, mas com uns trabalhitos aqui e ali vai dando para as suas coisas.
E os pais ajudam, certo?
- Sim, claro, filho, sabes bem que podes contar sempre connosco. Na verdade, é uma exploração, não sei como há gente que consegue viver com tão pouco ordenado. E tu ainda nem sequer tens família, imagina se tivesses – dizia-lhe a mãe.
Mas hoje era domingo, com sol, e não se pensava em tristezas. Amanhã voltariam os problemas de cada um. Para o Pedro e para todos os outros.
Para o senhor João e para a dona Lurdes continuariam os problemas de todos os dias e ainda mais alguns.
- É que o tempo não vai de boa feição para a venda das coisitas da horta. Esta coisa da pandemia não está a ajudar nada. Ainda bem que vem aí outro mês…. É que os medicamentos que ambos temos de tomar todos os dias estão a acabar. Temos de ir outra vez à farmácia… – Desabafou ao telefone a dona Lurdes à filha Isabel.
E continuou: - O que nos valeu no mês passado foram as ervilhas e os ovos que conseguimos vender à beira da estrada: um pouquito de dinheiro que se juntou aos 288,00 euros de reforma do teu pai, e aos 186,00 euros que eu recebo. – Foi o que nos valeu…
- Deixe lá mãe. - Disse a Isabel. - Não fique triste; o que importa é termos saúde.
Estórias verdadeiras, feitas de gente real.
Tudo gente educada. Ou quase.
JORGE DE ALMEIDA CASTRO
(Administrador do IDL)