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- Desculpa, Cristina, peço imensa desculpa, tenho de ir… é que tenho agora uma consulta no médico, às nove horas. – a Luísa desculpava-se assim, mais uma vez, naquela manhã. Estava agora a despedir-se de uma amiga na escola do Pedro, o seu mais velho, que está a terminar o secundário.
A Luísa tinha-se levantado bem cedo naquela manhã de segunda-feira. Tinha preparado o pequeno-almoço para aquela tropa toda lá em casa. Tinha feito o seu próprio almoço sanduichado e tinha adiantado o jantar para toda a gente. Sabia que só regressaria a casa bem tarde, quase noite dentro.
- Pedro, se a mãe se atrasar, aproveita e estuda um bocado de português. Olha que tens o teste final manhã. Desculpa, filho… até logo, querido.
Agora a Luísa tinha de correr; tinha um longo dia pela frente. Para já, consulta no cardiologista às nove horas – estava a ver se só perdia uma hora. As coisas não estão fáceis lá na empresa. No mês passado, por causa da pandemia, foram despedidas mais duas mulheres e parece que vêm lá mais despedimentos.
- Senhora dona Luísa, o médico está atrasado, é segunda-feira, sabe como é… Mas já saiu de Coimbra. Aguarde aí na salinha. – assim falou a rececionista do consultório, a indicar uma clareira referida como ‘desconfinada’, no meio duma sala com muita gente, cheia de sinais de obrigação e proibição.
- Com certeza menina. Mas diga-me, desculpe: – o senhor doutor consegue despachar-me antes das dez horas? É que eu queria ver se conseguia estar no trabalho a essa hora. Sabe como é… é para ver se só perdia uma hora. A menina desculpe…
- Senhora dona Luísa, como é que quer que eu saiba?... Ele ainda nem chegou! – assim falou, despachada, a funcionária do consultório.
- Com certeza, menina. A menina desculpe… – aceitava assim a Luísa.
Eram dez horas e meia quando se ouviu chamar o nome Luísa. Eram quase onze horas quando a Luísa pagou a conta e dizia mais um ‘muito obrigada’ à menina da receção. – E a menina desculpe qualquer coisa… – disse ainda a Luísa a afastar-se… a correr para o trabalho.
Que sorte trabalhar ali perto, pertinho de tudo. – Pensava muitas vezes a Luísa. Oxalá a sua experiência de trinta anos de escriturária não seja um destes dias ultrapassada pelos estudos de tantos jovens. Oxalá – pensa ela tantas vezes – que a crise que aí há de vir não a leve para o desemprego.
- Desculpe senhor doutor. Peço desculpa, o senhor doutor, o meu médico, atrasou-se na clínica e eu tinha mesmo de fazer este exame. – assim se desculpava mais uma vez a Luísa naquela manhã, desta vez ao seu diretor.
- Luísa, por favor ligue para Lisboa, para a agência. Temos de resolver aquele problema que falámos na semana passada. – o diretor distribuía assim à sua secretária os assuntos pendentes.
- Senhor doutor, desculpe, mas só vai poder ser de tarde. – lembrou a Luísa. – Como deve estar recordado, há uns quinze dias atrás eu telefonei e a pessoa que trata do assunto só está de tarde… Depois eu falei com ela e ela disse-me para eu enviar a pergunta por e-mail. Depois recebemos uma resposta automática a dizer que logo que possível, seria dada a resposta à questão. Ainda não recebemos resposta. Desculpe, senhor doutor, quer que volte a ligar hoje à tarde?
- Luísa, faça o que eu lhe digo! Eu não lhe pago para pensar! – falou assim com voz alterada o diretor da Luísa.
- Concerteza, senhor doutor, concerteza. Desculpe… Vou já tratar. Desculpe… – a Luísa desculpava-se mais uma vez naquele dia.
Gente quase educada.
JORGE DE ALMEIDA CASTRO
(Administrador do IDL)