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Escrever o último artigo de 2022, no dia 31 de Dezembro, a olhar para uma taça de espumante ainda vazia, no cenário das memórias mastigadas do tempo, entrecortado pela leitura dos jornais do fim de semana, é sempre um exercício tão penoso quanto estimulante.
Numa altura em que o país se debate há décadas com índices de pobreza elevados, desigualdades crescentes, crescimento quase estagnado, efeitos duma pandemia persistente e duma renovada guerra de blocos geoestratégicos mundiais (EUA, Rússia, China), e com perspetivas de futuro sombrio para a tão mitificada “geração de jovens mais qualificada de sempre”, o governo do país da maioria eleitoral absoluta, parece desmoronar-se perante o país da maioria silenciosa que trabalha e paga impostos, suportando a maior e a mais iníqua carga fiscal de sempre.
Os temas que se debatem hoje são os mesmos de há décadas: necessidade de reforma do Estado, da Justiça, da Saúde, da Educação e da Habitação, a descentralização, como condições para uma economia saudável e para uma redistribuição de rendimentos justa que teima em não existir, como se, no dizer do filósofo José Gil, tivéssemos “medo de existir”.
Por força da inflação e da guerra o custo de vida aumenta, os produtos alimentares, o gás, a eletricidade, e por ausência de capitalização das empresas, os salários são baixos, no setor privado e nas funções públicas como por exemplo os professores, os enfermeiros e outros – com exceção, claro, dos salários chorudos e das indemnizações milionárias que se pagam, sem vergonha e sem ética, a gestores públicos despedidos -, as rendas e as prestações do crédito são caras, a poupança é quase nula.
As oposições políticas teimam em não aparecer com alternativas que estejam para além da denúncia (necessária, embora) deste pantanal de má governação, de corrupção, de nepotismo, de carreirismo, do amiguismo, do protecionismo a grupos e famílias ligadas ao poder político e económico, do tráfico de influências e dos abusos de poder, que são no dizer de José Pacheco Pereira, “problemas idênticos nos maiores partidos de governo como são o PS e o PSD”, embora com diferenças cosméticas.
No dizer de António Barreto, o governo do PS “distribui o que pode, arranja financiamentos europeus, dá uns subsídios, adia problemas e cria umas comissões, mas não sabe governar”.
E o problema de fundo é exatamente este: o país vive de fundos comunitários e não gera riqueza própria, e as elites de poder que era suposto serem representadas pelos melhores, pelos mais capazes, pelos mais exemplares (embora com defeitos e virtudes típicas dos humanos), pelos menos comprometidos com o interesse próprio, pelos mais alinhados pelo interesse público que é o bem comum, não sabem governar, e no final do dia, como diria o populista mais animado, - “só sabem governar-se”. Depois queixem-se do avanço populista!
A democracia que já teve dias melhores precisa de uma refundação. E esta refundação, ao contrário do que possa parecer, não passa apenas pela reforma das leis, do sistema político representativo (menos deputados e de melhor qualidade), do recrutamento de políticos mais qualificados, com mais experiência profissional e menos dependência dos diretórios e fidelidades partidárias.
A refundação da democracia passará inevitavelmente pela ética e pela prática da responsabilidade política, antes e depois da atribuição dos cargos públicos.
Estes são valores que estão para além da regulação em leis, regulamentos ou códigos de conduta dirigistas, mas que devem instruir o permanente escrutínio da vida política e dos políticos.
A boa governação carece mais de razão ética do que de afeto emocional. Os abraços solidários e de compaixão do Presidente da República, por mais reconfortantes que pareçam, não dão pão a quem dele precisa.
E o país real, para além dos 500 mil euros de indemnização pagos à ex-gestora da TAP, da NAV e ex-Secretária de Estado, sem que ninguém soubesse, o que terá mais a perder ao suportar estas formas de governação suicida?