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Caro Francisco, foi dos poucos alunos a quem dei 20 pelo trabalho final. Era um conto magnífico e acho que você tem um brilhante futuro, apesar de (na minha opinião) ainda não ter encontrado o que quer dizer ao mundo.
Depois, como acontece com tantos ex-alunos, houve quase uma amizade. Você queria um mentor. Um colega mais velho que lhe fosse comentando os escritos e, quem sabe, até apresentasse um livro seu, antes de você arranjar melhor. Não, não o estou a acusar de cinismo. O cínico aqui sou eu. São muitos anos a virar escritores. Sempre a aturar a lengalenga tensão entre modéstia (à superfície) e ambição prestes a explodir. Não tem mal, cada jovem escritor acha-se o máximo. Sobretudo, acha que vai ultrapassar a quem o ajudou nos primórdios. E assim deve ser.
Agora o Francisco ficou perplexo por, a pretexto de uma deselegância insignificante (e, acredito, sem má intenção) eu ter deixado de lhe falar. O que posso dizer? A sua falta de tacto indispôs-me. E o médico recomendou-me que, com a minha idade, começasse a fugir do que me indispõe. Não leve a peito. De vez em quando corto amizades, sobretudo quando a outra parte já não precisa de mim. Com ex-alunos que fazem bela carreira (e são muitos, graças a Deus) geralmente até são eles que se afastam, e fazem bem.
Há uns anos cortei com um amigo italiano, o Gianluca, que conheço há quase trinta anos. Num almoço, ele disse a rir que há muito tempo tinha uma história para me contar, de uma maldade qualquer que me tinham feito sem eu saber e da qual ele fora testemunha. (Parece que eu seria convidado a ir a Itália dar umas palestras e, quando tudo estava pronto, alguém tinha vetado o meu nome. O costume.)
O pobre Gianluca carregara o fardo décadas a fio e agora, ao almoço, queria enfim aliviar-se. A rir, começou a dizer: “Eu não tive culpa nenhuma.” Parei-o aí. Disse-lhe que não queria ouvir. Ele insistiu. Eu repeti. Estivemos nisto até que levantei a voz, coisa que o médico me recomendou nunca mais fazer (nem mesmo com a minha mulher). E, ainda assim, ele tentou contar. O fardo devia ser mesmo pesado, coitado. Acompanhei-o ao metro. Ele não sabia ainda, mas a amizade morrera ali. Não é grave terminar amizades, sobretudo se a outra parte está num bom momento seu. Ultimamente têm-me morrido (à séria) muitos amigos. Faz parte. Ora, se amigos morrem, porque não também as amizades?
Tenha uma boa vida, cheia de sucessos. E também de falhanços, uma vida sem falhanços também não é vida.